Champions, parte II

Acabei agora mesmo de ver o jogo, em diferido.

Antes de chegar a casa ouvi alguns comentários, tais como:
- o Porto, a jogar assim, vai cilindrá-los no Dragão;
- a atitude do Chelsea do fim do jogo é uma vergonha;
- o resultado não é mau;
- podíamos ter ganho;
- a expulsão condicionou tudo no fim.

Começando pela expulsão, não me parece que tenha condicionado tudo no fim, para não dizer que não condicionou nada no fim. Faltavam 20 segundos para o fim dos 2 minutos de compensação, pelo que, se o Porto não marcou em 91 minutos e 40 segundos, não era provável que marcasse a seguir. No entanto, a entrada do Fernando condiciona mais do que "tudo no fim". A atitude do Fernando condiciona tudo a partir do princípio.

Isto é, é verdade que, num grupo de 4 equipas não faz muito sentido falar de adversários directos, porque todos o são. Porém, se é aceitável (e óbvio) afirmar que o APOEL não está a lutar pelo primeiro lugar com o Chelsea, fará todo o sentido dizer que o adversário mais directo que o Porto tem é o Atlético de Madrid. Uma vez que temos um jogo com o Atlético daqui a 15 dias, e que o Fernando, peça fulcral (e, talvez, insubstituível) desta equipa como voltou a demonstrar, não joga, então compreende-se que a sua expulsão condiciona os próximos 90 minutos do Porto na Champions.

Quanto à possibilidade do Porto os cilindrar quando os receber no Dragão...bem, eles não tinham o Drogba, o Bosingwa e o Deco e, mesmo assim, o Porto entrou no jogo a medo, e se não perdia por muitos ao intervalo foi porque o Helton jogou como nunca tinha visto (o pobre do Anelka até se agarrou à cabeça do Helton a dar-lhe os parabéns, quando ele fez aquela defesa fabulosa ao cabeceamento do Lampard). Até nisto o Porto teve a sorte do seu lado, a estrelinha dos campeões...mas perdeu. Daí que passo para o comentário do "podíamos ter ganho"...Pois podíamos. Então não é que o jogo até começou empatado, só que o Chelsea marcou (numa das muitas ocasiões que criou), e o Porto não!

Um amigo meu disse-me então que a atitude do Chelsea no fim do jogo foi uma vergonha.
Bem, sou admirador do estilo de futebol italiano, daquele duro, em que os ossos só não partem porque os músculos estão lá para amortecer; daquele estilo táctico e defensivo, em que as características do tipo que está a jogar a lateral podem mudar o jogo; daquele estilo em que os laterais aprendem a jogar no meio campo.
Assim sendo, e depois de admitir a minha admiração pelo futebol italiano, passo a comentar.
Ao ouvir quem me fez este comentário, sem saber o resultado, percebi que tínhamos obtido uma vitória moral...mais uma!
Curiosidade das curiosidades: há uns anos, quando o Mourinho era treinador no Porto, no início da época gloriosa na Champions, o Porto fez um jogo fabuloso contra o Milan. Encurralou-os, encostou-os às cordas, o Jankauskas falhou um golo dentro da área e o Derlei acertou com a bola de raspão no poste do Dida...
O Porto "cilindrou" o Milan! Também aí, "podíamos ter ganho". Pois podíamos, mas não ganhámos, porque, antes do Porto os "encurralar", o Rui Costa fez um cruzamento da direita e o Shevchenko cabeceou para dentro da baliza do Vitor Baía.
Escrito assim até parece simples.
A partir daí o Porto melhorou a atitude, e quando o treinador do Milan achou que devia, recuou a equipa, ao ponto do Porto ter duas oportunidades: a tal do Jankauskas, inesperada, e a do Derlei. Mas esta oportunidade do Derlei foi oportunidade porque era o Derlei, porque não é todos os dias que um gajo faz um pontapé, de costas para a baliza, à entrada da área, e a bola raspa o poste pelo lado de fora. Isto é, o Porto, nesse jogo, em 90 minutos, teve uma oportunidade...a outra surge da genialidade do incansável (na altura) Derlei.
Coincidência das coincidências, o treinador da equipa que na altura foi cilindrada pelo Porto era o Carlo Anceloti. Bom, o tipo deve ser mesmo sortudo...nem sei como ganhou duas Champions! [nota: pessoalmente, penso que, se este tipo fosse treinador do Porto, batíamos o recorde do Real Madrid]

Falta comentar qualquer coisa...ah, "o resultado não é mau!"
NO COMMENTS!!!

Agora, no que diz respeito ao jogo, continua a haver um enorme complexo de inferioridade perante as grandes equipas europeias, e esse complexo só passa quando sofremos o primeiro golo, quando os jogadores se apercebem que não têm nada a perder.

No entanto, também aqui há um ponto interessante: a mensagem do treinador é essencial, e a mensagem que se passa aos jogadores quando se pede aos extremos que sejam médios, é uma mensagem de medo.
Defendi, antes do jogo, que o Hulk fosse o avançado mais central, sabendo que ele não rende tanto nessa posição, mas que seria melhor para a equipa, para puxar o Terry mais para a frente e o Carvalho ficar praticamente sozinho quando o Varela (neste caso, o Mariano) e o Rodriguez flectissem para o meio. Se era melhor ou não nunca o saberemos, porque o Hulk não chegou a ser o avançado mais central, pelo simples facto de ter jogado sempre sozinho na frente até à entrada do Falcao.
O Porto jogou em 4-5-1, claramente, e o treinador pôs o Mariano e o Rodriguez a correr atrás da bola de trás para a frente e da frente para trás, e, o pior, é que quando se pede aos jogadores para se desmultiplicarem em posições (não escrevi funções, porque isso não é mais do que a obrigação de profissionais que ganham o que eles ganham), eles acabam por não fazer nenhuma das posições direito.
Resultado: o Mariano e o Rodriguez saíram estourados, depois de não terem jogado nada...óbvio, experimentem correr 20 ou 30 metros atrás de uma bola e ganhá-la; se sobrarem forças para levantar a cabeça, que eu duvido que sobrem, vão ver à vossa frente pessoas como o Ballack, o Essien, o Malouda...a bola está perdida, toca a recuperar, com as forças que não têm...
Aí saltou à vista, dentro do possível, a capacidade (ou a falta dela) de sacrifício do Álvaro Pereira e do Fucile quando subiam para marcar o Malouda e o Ballack, e estes jogavam nas costas da defesa para o Lampard, o Kalou, o Anelka e até mesmo o Ivanovic.
Isto não é uma crítica aos laterais, mas a quem montou a equipa de maneira a que eles tivessem de marcar mais do que um jogador [se calhar foi por isso que o Álvaro Pereira foi substituído ao intervalo contra o Leixões, tal era o trabalho que ia ter hoje].

Assim sendo, o Hulk jogou completamente sozinho na frente, e o Carvalho esteve implacável na dobra das poucas bolas que o Terry deixou passar, pelo que até o Hulk saiu prejudicado desta opção.

Notas positivas: o Guarin. Por coincidência, ou não, o Porto, na primeira parte, sobe de rendimento no momento em que ele ganha confiança e se começa a antecipar, vezes sem conta, aos médios do Chelsea.
Conseguiu mostrar o melhor que já tinha visto do Guarin, mas durante 90 minutos.

O Raul Meireles pareceu voltar à forma do costume, e o Falcao foi mais do que uma agradável surpresa. Jogou olhos nos olhos com os defesas do Chelsea, antecipou-se, desviou a bola deles, rematou, fez tabelas...resumindo, foi o Falcao que temos visto, mas contra uma equipa de top mundial.
Também o Varela esteve genial na maneira como abriu o jogo e apareceu no meio a tentar marcar golo.

Em dois pontos discordo do comentador do jogo:

O primeiro diz respeito precisamente ao Varela.
O comentador disse que o Varela esteve bem a vir buscar a bola atrás, depois de dizer que era o que o Rodriguez e o Mariano não estavam a fazer. A diferença é que, com a entrada do Varela e do Falcao, o Porto passou, finalmente, a jogar com 3 avançados. O Varela não só não veio buscar jogo atrás, como o seu posicionamento, a par do do Hulk, obrigaram à descida do Ashley Cole e do Ivanovic, dando espaço ao Fucile e ao Álvaro Pereira para subirem e os apoiarem.
[talvez a aproximação do Fucile ao Varela tenha dado a ilusão ao comentador de o Varela descer no terreno...a verdade é que o terreno é que andou 20 metros para a direita na TV, sem que os jogadores saíssem do sítio]

O segundo ponto em que discordo do comentador diz respeito ao posicionamento do Hulk.
Quando o Porto passou a jogar com 3 avançados, o treinador trocou o Hulk e o Varela de lado uma ou duas vezes.

O comentador disse repetidamente que não compreendia o porquê de o Hulk jogar à esquerda. Se, por um lado, o compreendo, uma vez que gostava de ter visto o Cole, com a sua vocação ofensiva, segurar o Hulk, por outro continuo a achar que colocar o Hulk a jogar na direita não só potencia a sua veia egoísta, como dá tempo aos defesas para se recomporem no campo.
Porquê? Porque o Hulk, quando joga pela direita, tem de puxar ao pé esquerdo. Mesmo quando ultrapassa os defesas por fora com a parte exterior do pé tem de se "pôr a jeito" para a centrar ou rematar, porque não tem a técnica de jogar com a parte de fora do pé como, por exemplo, o Quaresma tinha (ainda deve ter, mas como já não joga...). Para além disso, a jogar pela direita, como o próprio comentador disse, o Hulk puxa ao pé esquerdo para rematar. Lembro o golo fabuloso que o Hulk marcou ao Belenenses no Dragão, e o balão ao Nélson na Amadora: foram realmente geniais, mas...por alguma razão me lembro bem destes dois, e a razão é: ele não fez mais nada desse género pela direita.
No ano passado ele passou como um comboio pelo defesa esquerdo do Atlético de Madrid, mas...os 2 golos do Lisandro surgiram pelo lado esquerdo (um deles com o contributo do Hulk)
A jogar pela esquerda, não só o Hulk decide e faz tudo muito mais depressa, como tem mais opções, porque o pé que está mais à mão "é o dele".

Para acabar, só mais uma curiosidade: hoje o Ancelotti colocou um lateral direito a fazer de médio interior, para tentar segurar o Álvaro Pereira (a intenção era boa, mas o Beletti é o jogador que já conhecemos). Surgem as críticas ao treinador defensivo que ele é...há uns anos, a entrada do Cafu para o lugar do Oddo, numa meia final da Champions, fê-lo virar a eliminatória e chegar à final...não me lembro se a ganhou ou não. É que, para além de duas Champions, já tem algumas finais que perdeu...são finais que eu não me importava que o Jesualdo perdesse.
Podíamos chegar à final! Pois podíamos...