"Alguns dias passaram e, quando não nos falávamos, evitávamo-nos...talvez por timidez.
Uma noite, decidimos ir os quatro para a praia às 6H30 da manhã...

As 6H30 chegaram; vestimo-nos, descemos as escadas com muito cuidado fomos buscar-vos a casa...deixei o batente cair ao de leve, para não acordar a tua mãe, e, algumas batidas depois, ouvimos passos e vimos um vulto por entre o vidro fosco da porta...estava frio cá fora, e tu, de de roupa interior e t-shirt comprida, os olhos semi-cerrados, pediste para esperarmos enquanto acordavas a tua irmã...
Não percebi como uma pessoa podia ser, simultaneamente, tão interessante e atraente; mas ali estavas, eram os mesmos olhos da noite passada.

Na praia, as gotas de água agarravam-se aos cabelos...desci à beira-mar.
Seguiste os meus passos, como inconscientemente previra, com a desculpa de os deixar a sós.
Vestias umas calças pretas, uma camisola laranja e um colete , também preto.
As nossas pernas levaram-nos para longe dali, sempre na linha da água, na direcção oposta às casas. Não sei se andámos muito ou pouco, nem me recordo do que falámos. Começava a ser secundário!

Recorrendo a desculpas esfarrapadas e convites a terceiros sem grande convicção, esses passeios a dois foram-se tornando regulares...
Recordo, particularmente, aquele primeiro de Agosto, em que a minha prima mal humorada nos quis fazer companhia.
Saímos da praia e metemos por um caminho entre campos de milho...o sol estava abrasador, e o calor queimava...mergulhámos, pela primeira vez, num campo com rega automática, e a prima aproveitou para se distanciar ainda mais de nós...afinal, éramos só nós dois.

Depois desse dia as desculpas esfarrapadas acabaram; os convites a terceiros deixaram de ser feitos, porque havia toda uma realidade a dois a explorar, e ninguém tinha nada a ver com isso!

Daí em diante passeávamos, nadávamos todos os dias: de manhã, à tarde, à noite...os olhos perderam a timidez, as mãos encontraram-se, o silêncio deixou de incomodar!

O tempo não passava devagar nem depressa....fluía por entre os meus dedos e os teus cabelos."



in "Caderno preto"

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